O ácido hialurônico (AH), uma substância naturalmente presente no corpo humano, especialmente no líquido sinovial e nos tecidos conjuntivos, tem se consolidado como um importante aliado terapêutico nas doenças articulares, ligamentares e tendíneas. Com propriedades viscoelásticas, lubrificantes, anti-inflamatórias e regenerativas, ele vem sendo amplamente utilizado em tratamentos médicos intervencionistas com o objetivo de restaurar a função, aliviar a dor e, em muitos casos, retardar a evolução das doenças musculoesqueléticas.
1. O que é o ácido hialurônico?
O ácido hialurônico é um polissacarídeo do tipo glicosaminoglicano, de elevado peso molecular, presente em grandes quantidades na matriz extracelular, especialmente na pele, nos olhos e, de forma crucial, nas articulações. No líquido sinovial, ele atua como um lubrificante e absorvedor de choques, protegendo as superfícies articulares contra desgastes e impactos mecânicos.
Com o envelhecimento e nas doenças degenerativas, sua concentração e qualidade diminuem, favorecendo o atrito entre as estruturas articulares e o processo inflamatório local. Essa degradação contribui para o surgimento da dor, rigidez e limitação funcional características das artropatias.
2. Mecanismos de ação do ácido hialurônico
A aplicação exógena de ácido hialurônico por via intra-articular ou peritendínea visa restaurar o ambiente bioquímico e mecânico da articulação ou tecido afetado. Dentre os principais mecanismos de ação, destacam-se:
- Efeito viscoindutor: melhora a viscosidade do líquido sinovial e facilita o deslizamento entre as superfícies articulares;
- Ação anti-inflamatória indireta: reduz a liberação de citocinas inflamatórias (como IL-1, TNF-α) e enzimas degradadoras de cartilagem (como metaloproteinases);
- Efeito analgésico: modula receptores periféricos de dor, como os receptores de ácido hialurônico e TRPV1;
- Estimulação da síntese endógena de ácido hialurônico e proteoglicanos: favorecendo a regeneração da cartilagem articular;
- Efeito protetor condral e sinovial: impede a progressão de lesões microtraumáticas;
- Redução da fibrose peritendínea e melhora da nutrição local: nos casos de tendinopatias e lesões ligamentares.
3. Indicações clínicas
a) Doenças Articulares:
- Osteoartrite (artrose): a aplicação intra-articular de ácido hialurônico tem sido indicada em joelhos, quadris, ombros e outras articulações afetadas pela artrose de graus leve a moderado. Há melhora significativa da dor, da mobilidade e da qualidade de vida.
- Condropatias e lesões cartilaginosas: em atletas e pacientes jovens com lesões condrais, o AH tem papel importante no alívio dos sintomas e proteção da cartilagem residual.
- Sinovites não infecciosas: atua como modulador da inflamação sinovial.
b) Lesões Tendíneas:
- Tendinopatias crônicas (ombro, epicôndilo, Aquiles, patelar): a infiltração peritendínea com ácido hialurônico de baixo peso molecular melhora o deslizamento das fibras, reduz a fibrose e contribui para a reabilitação funcional.
- Tenossinovites e lesões por sobrecarga: especialmente em fases subagudas, com associação a exercícios de reabilitação.
c) Lesões Ligamentares:
- Entorses crônicas e lesões parciais de ligamentos (ex: LCM, LLI, LPF): a aplicação orientada por imagem auxilia na cicatrização do ligamento, reduz edema e previne fibroses limitantes.
- Instabilidades ligamentares em pacientes que não são candidatos imediatos à cirurgia.
4. Técnica de aplicação
O ácido hialurônico pode ser administrado por via intra-articular (em grandes ou pequenas articulações), peritendínea, periligamentar ou até intrabursal, dependendo da localização da lesão. Em todos os casos, o uso de imagem de orientação, como ultrassonografia ou fluoroscopia, é altamente recomendado para garantir a precisão da aplicação.
A escolha do tipo de AH (baixo, médio ou alto peso molecular; reticulado ou não reticulado) depende do objetivo clínico e da estrutura a ser tratada.
5. Efeitos adversos e contraindicações
O ácido hialurônico é, em geral, bem tolerado, com baixíssimo risco de efeitos colaterais. Quando ocorrem, são geralmente leves e locais, como dor leve, edema ou calor no local da aplicação, que desaparecem em 24 a 72 horas.
As contraindicações incluem:
- Infecção local ou sistêmica;
- Hipersensibilidade conhecida ao produto;
- Doenças autoimunes ativas com manifestações articulares agudas.
6. Resultados clínicos e evidências científicas
Estudos clínicos mostram que a infiltração com ácido hialurônico pode proporcionar alívio da dor por 6 a 12 meses, com redução do uso de medicamentos sistêmicos (como AINEs) e melhora significativa na capacidade funcional.
Na osteoartrite do joelho, a viscosuplementação mostrou-se eficaz em diversos trabalhos comparativos com corticoides, tendo resultados semelhantes ou superiores no médio prazo, porém com menos efeitos adversos.
Nas tendinopatias, os trabalhos mais recentes indicam que a combinação de ácido hialurônico com fisioterapia ativa e correção biomecânica pode acelerar o retorno à função e reduzir a chance de recidiva.
7. Perspectivas futuras
O uso do ácido hialurônico vem sendo estudado em combinação com outras substâncias regenerativas, como plasma rico em plaquetas (PRP), células mesenquimais e fatores de crescimento recombinantes. A ideia é potencializar o ambiente de reparo biológico nas lesões musculoesqueléticas, com efeitos mais duradouros e regenerativos.
Além disso, novas formulações e técnicas de aplicação mais precisas (como via endoscópica ou guiada por robótica) vêm sendo desenvolvidas para aumentar a eficácia e reduzir ainda mais os riscos.
Conclusão
O ácido hialurônico representa uma ferramenta terapêutica de grande valor no tratamento de doenças articulares, lesões tendíneas e ligamentares. Sua ação é multifatorial: alivia a dor, modula a inflamação, protege estruturas nobres e, principalmente, contribui para a preservação da função articular e do movimento. Quando bem indicado e corretamente aplicado, pode reduzir a necessidade de medicamentos sistêmicos e até postergar procedimentos cirúrgicos mais invasivos. É uma abordagem segura, eficaz e moderna, cada vez mais presente nas práticas de medicina regenerativa e intervencionista.